quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

ARTIGO - O desafio de recomeçar

  
 “Começar de novo...”, diz o refrão de uma conhecida música, pois é exatamente o dom de recomeçar, sempre, que nos caracteriza como humanos.
    Neste início de um Novo Ano, somos impelidos a caminhar para algo novo, somos convocados pelo futuro a realizar projetos diferentes, possibilidades novas, “coisas” que nos acenam lá de longe e nos fazem uma proposta: “re-criem-nos”; coisas que surgem sob a forma de um desejo, de uma esperança... Mas que sempre dependem de nós para se tornarem concretas. Elas exigem empenho, dedicação e criatividade.
    Habita em nosso interior uma nostalgia de alguma coisa mais original, de um novo início e da tentativa de outros caminhos. Trata-se de uma nostalgia de algo mais humilde e simples, que nasce do “húmus”, da terra que somos. É o desejo de sermos nós mesmos simplesmente, humanamente, prazerosamente.
    É a necessidade de viver re-começando continuamente.
    Corremos o risco de “secar por dentro” se perdermos a simplicidade, o amor, a ternura...
    Inexplorado. O que deve impulsionar a vida cristã atual é a espiritualidade da criação, da iniciativa, do momento presente... Vivemos um momento importante, único, num tempo de renascimento em estado embrionário, num momento de absoluto compromisso com a vida.
    Num mundo em que reina sempre mais a citação, a cópia, a simulação, a repetitividade, a atividade sem sentido, a mediocridade... Sentimos a necessidade de ler o que nunca foi escrito, de construir o que nunca foi tentado antes, de recuperar o que foi deteriorado...
    A lógica da nossa sociedade de consumo reprime nossa criatividade, nos faz retroceder em nossa humanidade e nos impede de aproximar de toda experiência mais profunda. Marcados por tradições e hábitos, dialogamos com o possível, o já esperado, o já testado, o “sempre fizemos assim”... Por isso, sentimos o desejo do retorno à espontaneidade e de nos aventurarmos na descoberta de um mundo diferente, ainda que assustador e incerto. “A princípio, estranha-se. Depois, entranha-se”
    (Fernando Pessoa).
    Somos impulsionados, continuamente, a romper com o formalismo e convencional, a vida marcada pela ordem, normas claras e recompensas seguras... e caminhar para uma vida mais audaz e incerta, de horizontes amplos, de exigências que nos convidam a “começar de novo”, de significado mais universal.
    Não caminhamos empurrados pelas costas, nem nossa vida é obra da inércia. Fomos feitos para o mais.
    A cena do presépio nos obriga a ter um olhar mais amplo e ver o que se esconde e se revela na simplicidade da cena, que em seu nível mais profundo ou espiritual, fala de todos nós. Ali, fala-se de alguns pastores, de um presépio, de um recém-nascido, de uma mulher que “guarda” um segredo, de glória e louvor a Deus. Toda a cena quer introduzir-nos em um silêncio admirado e agradecido, pleno de luz, de paz e de gratidão.
    A simplicidade do relato nos convida a mergulhar no Mistério que aí se expressa. Tudo está aí, e, da mesma maneira, tudo é agora. Pastores, presépio, recém-nascido, mulher silenciosa… Quando sabemos olhar, descobrimos que tudo está cheio da Presença que é atemporal e ilimitada.
    A Presença ou o Mistério não é uma realidade separada, à margem das coisas, nem sequer “ao lado delas”. Por esse motivo, os pastores, a mãe, o presépio, o recém-nascido... Representam a realidade inteira: somos nós mesmos, é tudo o que nos rodeia neste preciso momento, são todos os seres. Como diz o livro da Sabedoria: “todos levam teu sopro divino” (12,1).
    Basta “olhar” em profundidade. Pacificada a mente, silenciado o coração... Abre-se passagem para a contemplação. Tudo está em tudo. E tudo é um admirável Mistério de Unidade. Aquilo que chamamos “Encarnação” é a proclamação de que tudo está atravessado pela Divindade, que em tudo se expressa e se manifesta. Quando contemplamos assim, sabemos que os pastores, a mãe, o presépio, o recém-nascido... representam a realidade inteira.
    E, diante dessa manifestação, o que nos resta? A atitude de Maria: acolher todas as coisas, “guardá-las”, “meditando-as no coração”. Ir mais além dos conceitos e das palavras e, desse modo, descansar, admirados, agradecidos, irmanados no Mistério, e deixar-nos conduzir por Ele.
    “Meditar as coisas no coração” significa ativar o “olhar contemplativo” que se encontra em todos nós e que se manifesta quando cessamos nosso palavreado crônico. Serenados interiormente, somos presenteados com o dom de permanecer no presente, onde tudo está bem, onde tudo flui mansamente e na santa paz.
    Este é o desafio diante do Novo Ano que se inicia: devemos primar por construir “ambientes de paz”: paz que vem do alto, que aquece nossos corações, plenifica nossas relações e se expande, tal como perfume, em todas as direções.
    Paz é aspiração congênita do ser humano. Nosso coração humano foi feito para a paz e anseia a convivência harmoniosa com Deus, com o cosmos, com os nossos semelhantes. É processo interminável.
    Na raiz bíblica do termo “shalon”, (em latim “pax”) está a ideia de “algo completo, inteiro”. A paz pertence à plenitude, à completude, enquanto a violência está do lado da falta, da carência, do incompleto.
    Paz reflete harmonia consigo, boas relações com os outros, aliança com Deus, enquanto a violência infecciona os relacionamentos, contamina a convivência, rompe os convênios, exclui os mais fracos.
    Paz: Há milênios esta palavra ressoa e ecoa na história dos povos. Inúmeros homens e mulheres a cultivam secretamente no coração. Todos a invocam. Muitos dão a vida, defendendo-a...
    A paz autêntica contém densidade humana. É paz de consciência inocente dos justos que fazem o bem, dos profetas que se arriscam em favor dos outros. Paz é humanidade alegre, espontânea, confiante.
    Paz não é sossego, não é concordismo, nem cumplicidade.
    Paz requer bravura. Somente o ser humano amante da paz é realmente perigoso, não o violento.
    Mas, a paz ainda não encontrou espaço para ser a companheira de estrada em nosso cotidiano.
    Permanece a promessa profética de que ela habitará na nossa terra. Assim, o sonho impossível, que reina desde sempre no coração do Senhor, amante da Paz, se realizará, graças àquelas pessoas revolucionárias, que acreditam, desejam e realizam a paz.
    Paz “solidária” que abraça os excluídos; paz “resistência” que não se acovarda; paz “audácia” que não se amedronta; paz “limpa” que não corrompe a ética; paz “profética” que encarna a justiça; paz “rebelada” que não se dobra; paz “estética” que revela a face bela da nova humanidade.
    A paz é característica do reino messiânico que Jesus inaugurou. Ele revela que a paz é um trabalho muito paciente, de artesanato. Ele era um artesão, um carpinteiro.
    Ele sabia que para ser mestre na arte de fazer móveis era preciso saber aplainar muito bem. A paz começa nesta arte de aplainar o que em cada um de nós é áspero e duro; há divisões e conflitos em nosso interior..., mas nós podemos, pacientemente, construir a paz do coração.
    Quem tem paz irradia luz; quem vive na luz constrói a paz. Paz expansiva, paz que é respiração da vida, paz marcada pela esperança.
    “Temos um coração maior que o mundo e desejos que nos fazem ter asas de águia.
    Que sonhos alimentam o novo ano que se inicia no nível pessoal, familiar, profissional, social...”
    Pe. Clodoaldo

Joaquina Rodrigues de Castro (Quininha)
Especial para a Tribuna do Carmo

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